domingo, abril 16, 2006

“Dá até vontade de arrancar seu pescoço” Parte I

Cá estou novamente, prosos queridos, nossa história de amor já pode continuar... Gostaria de contar-lhes (e como de costume filosofar um pouquinho) mais um causo de meu cotidiano fatigado no qual tem uma pedra em minha retina, em minha retina tem uma pedra. Almoçando muito na rua? Gastando muito dinheiro com pedintes mirins cada vez mais capacitados na arte da coação? Pois é, seu amoroso interlocutor, por vezes mais que suficientes, o fez; e, certo dia esgotou-se disso. Como mentiroso que sou pergunto-lhes novamente: sois livres? (n. de rodapé)

À espreita está Uóchinton da Silva, como todos os dias ele se esgueira pelas filas dos caros restaurantes de uma Cidade Universitária qualquer, repleta de membros piedosos da elite. Apresenta-se sua primeira vítima; no começo do horário de almoço naquele estratégico restaurante de saladas repleto de naturebas altruístas, ele se aproxima, pede seu prato, saca sua carteira, retira seu dinheiro; pronto! Uóchinton encontra ai o momento perfeito, com sua caixinha de engraxate se aproxima e diz, com olhos esbugalhados e a mão a esfregar sua barriguinha de vermes: - Dá um dinheiro ai preu cumê! – Então o “tio” devidamente “puto” com essa atitude que o assola todos os dias responde num ato seco de revolta, misto com seu cansaço habitual após horas de estudo: - NÃO! – O garoto, então espantado com a atitude livre de costumes impostos de piedade, recua; projeta um olhar venenoso, maligno, repleto de revolta, contra o “tio” que não está cumprindo com sua obrigação civil de ajudar a quem quer que peça ou pareça necessitar, então diz, com todo seu estoque existente de raiva (e possivelmente fome mesmo, ou crise de abstinência de alguma droga, quem sabe?): - Pô ai, dá até vontade de arrancar seu pescoço – E vira-se num ar caustico e num furor de um futuro assassino, dando as costas e pisando fundo em direção a próxima vitima. Quiçá essa se renda aos coercitivos fatos sociais da piedade...

E agora, o que pensam sobre a liberdade? Além do claustro dos fatos sociais de etiqueta - analisados durante um almoço que não ocorreu - nos encontramos com expressões claras de fatos sociais sob o cunho moral da obrigação e da penalidade. Imaginem esse “de menor”, “de maior” com porte de armas (conferido pelo traficante de seu morro de costume), e a mesma raiva e sentimento de obrigação civil, engrandecidas agora por mais uns dez anos. Seria a partir de então o juiz, advogado, promotor, júri e executor da sentença contra um crime que atenta contra seu próprio código civil.

Mas faço mais uma pergunta: quem propôs as leis deste código? Recuso-me a acreditar que tal garoto fosse sozinho capaz de arquitetar tamanha obra. Durante anos, ou mesmo décadas, talvez desde muito mais tempo, nos acostumamos com a rotina ideológica de ver, com retinas empedradas, a existência de oprimidos e opressores; aos oprimidos movemos piedade e aos opressores revolta. Essa é a composição antiga de um código civil de piedade que se impõe à nossa existência, essa lei cristã de piedade nos faz acreditar na existência um opressor (chamado por vezes de governo) e toda uma classe de oprimidos. E nós bem aventurados (uma terceira classe), somos responsáveis pelo bem estar dos oprimidos e por reclamar do governo, quero dizer... do opressor.

Ou seja, existem três classes de indivíduos, que impostas ao nascer de cada um o faz ser sujeito de revolta e condolência; de auto-piedade e objeto de piedade alheia; ou, de opressão e massacre. Até chegar o lobo mau e este dar todo o sentido à fabula da realidade... é claro!

Caso vocês, amados prosos, estejam ainda interessados na fabula nossa de cada semana, esperem então mais uma, onde videarão a plenos olhos o desenrolar desta estorinha.

(n. de rodapé): Estou me referindo ao texto anterior (Almoço Negado) no qual disse que seria a ultima vez que perguntaria sobre a liberdade.



Leonardo Ferreira Guimarães


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segunda-feira, abril 03, 2006

Almoço negado

Olá meus caros prosos, é bom vê-los novamente! Almoçando muito com a família? E com os amigos, ou melhor, com a família deles? Qual é a atitude padrão de vocês nessas situações, já refletiram sobre isso alguma vez? Já pararam p´ra pensar o que fazem, quando de súbito se vêem em uma situação, de saia justa, em que são convidados à um almoço, no qual o prato que será servido creiam não suportar comer, ou mesmo, quando estão sendo veementemente convidados a uma situação em que sabidamente todos ficarão constrangidos ou desconfortáveis pela sua presença?


No meu ingênuo comentário anterior proseei sobre liberdade, mas, há liberdade? Se num simples convite se vêem sem saber o que fazer de forma que fiquem todos contentes. Na verdade, no âmago, sabem muito bem que as pessoas que estão ali são suas amigas, gostam de sua presença, e, que de forma alguma haveria algum incômodo, ou mesmo, tudo se resolveria no mais simples caminhar. Contudo, convenções sobre aquilo que deve-se: dizer, fazer, ou pensar, confundem e aprisionam nas celas invisíveis do convívio social. Novamente, há uma real liberdade?

Disse uma vez um sábio: fatos sociais são estruturas externas ao indivíduo, e agem sobre ele de forma coercitiva, criando uma inércia que impede ou atrapalha todos os movimentos que possam ir contra eles (*Nota de rodapé). Estamos aqui tendo um exemplo que demonstra (pelo menos no caso de pessoas um pouco tímidas, como vosso amado e querido interlocutor) como essas estruturas, sabiamente nomeadas fatos sociais, podem ser coercitivas a uma atitude individualizada, e, quando vemos – ou melhor, não vemos - estamos agindo de forma inteiramente coagida por essas estruturas invisíveis.

Sois livres então, prosos queridos? Tendes vosso poder de voto, de crença, de opinião; será? Numa fila de banco se prontificam a debater: a velhinha católica, a senhora evangélica, um anarquista ateu e um funcionário público. O anarquista, em sua óbvia liberdade de pensamento e expressão, contesta a todos, como fariam quaisquer outros anarquistas com quem o mesmo dialoga, seja pessoalmente em seu grupo subversivo de amigos, seja através de livros livres (!) e subversivos. Mas analiseis bem, não é, em geral, o dialogo deste típico individuo, muito bem delimitado e doutrinado? Não sabe ele exatamente o que dizer em resposta a cada colocação moralmente enclausurada dos outros tipos?

Vosso amado proso quer ir um pouco mais fundo. De fato, provavelmente há nesse ser algo interno e individual que o torna destoante de seus próximos, mas isso o torna livre dos claustros invisíveis do fato social? Não é a partir disso que se constrói sua cultura; suas bagagens intelectuais; que seus pais respondem de forma diferenciada em sua criação, que seus professores o repreendem ou aprovam por sua “liberdade individual”? (De acordo com seus próprios claustros invisíveis) Não é partir deste momento que se definem os fatos sociais pertinentes à “aura” deste indivíduo, sua moral (por mais que ele prontamente faça uma cara de nojo ao ouvir este nome), seus costumes, seus formulários de resposta a cada atitude externa? Em outras palavras, ele já tem, deste momento em diante, sua forma própria de responder mecanicamente ao convite do almoço? Já seria tomado como surpreendido ao ser indagado porque ele não tomara outra atitude, talvez mais simples? Já se encontra em claustro?

Pela ultima vez, existe liberdade?

Por fim, gostaria de pedir a meus prezados prosos desculpas pela minha ingenuidade e talvez pedantismo ao fazer afirmações indagadoras de tal nível. E faço esse adendo pelo mesmo motivo do almoço negado... Aff

Nota de rodapé: Èmile Durkheim: Regras do método sociológico. A citação não está entre parênteses pois fora resumida e modificada, mantendo-se o sentido original


Leonardo Ferreira Guimarães

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